Alzira Caldeira

Alzira Caldeira

“Eu nunca cheguei a andar na escola, quando a gente é canalha não pensa as coisas, porque eu já tinha lá uma irmã e eu queria ir para a carteira onde ela andava, mas ela já estava na 2ªclasse e a professora não me deixou, e eu então também cismei de não ir mais e não fui. Mais tarde arrependi-me de não ter ido à escola, mas já não valia a pena, se fosse como agora, que obrigam a ir se não pagam uma multa, era diferente, mas na altura ninguém se chateava com isso e a gente era canalha queria era brincadeira.

Os meus pais chamavam-se José e Margarida e nós éramos muitos irmãos, 3 raparigas, eu, a minha irmã Lurdes e a Rita que ainda é viva, e depois eram de rapazes o João, o Francisco, o José, o Henriques, o Manuel, o Joaquim, e o Alberto e o António, que estes dois ainda estão vivos, tenho 3 irmãos ainda vivos (2 rapazes e uma rapariga). Os meus pais ainda tiveram um aborto que eram duas crianças, antigamente ninguém ia a um médico, tinham-nos em casa, se corria bem corria bem, se não corria pronto. 

Eu e duas amigas minhas costumávamos ir às pinhas, aos pinhais, com duas sacas, eu devia ter alguns 10 anos, mas também já andava a trabalhar no campo com os meus pais e os meus irmãos. Depois fui crescendo, comecei a namorar o meu marido, ele era lá da terra, chamava-se João, lá nos casamos eu tinha 18 e o meu marido 22, foram as nossas famílias ao casamento. O meu marido já não tinha mãe, perdeu-a ele só ainda tinha 13 anos e o pai dele também não assistiu ao casamento porque não queria que ele se casasse que lhe fazia falta em casa para fazer o trabalho. O meu João já de novito é que tomava conta dos irmãos e tratava dos trabalhos, não era o mais velho, mas o irmão mais velho (tinha mais 2 anos que o meu marido) quando a mãe morreu disse que não ficava ali e foi para o Alentejo e depois para Lisboa e por lá andou.

Lá por volta de 5 anos depois de me casar tive o meu filho João e uns 2 anos depois tive a minha filha Regina. Tenho muitos netos e bisnetos (Martina, Núria, Cristina, Paulo, Francisco, Mateus, Tomás, Paulo, Cristiano, Milano, Analina). Criei os meus filhos e eles foram para a França governar a vida deles, o meu filho foi primeiro e a minha filha foi depois. Ainda criei as minhas netas da minha filha Regina, têm 2 anos uma da outra, fizeram aqui a escola primeira e depois é que foram para Viseu estudar, a Núria foi primeiro para casa de umas freiras estudar e depois é que foi a irmã. Elas nos primeiros tempos ainda ficavam em minha casa, gostavam muito de lá estar, nem queriam ir embora, mas depois o pai comprou-lhes lá um apartamento para elas viverem as duas, mas aos domingos elas vinham cá para passar comigo, ou ia lá eu passar com elas.

Eu e o meu João trabalhamos muito, olhe que nos casamos sem nada, ainda ficamos a dever o dinheiro do casamento ao padre, mas ninguém sabia, ele dava-se bem com o meu marido e depois ele disse-lhe que ia ficar a dever o dinheiro e depois lhe pagava. Naquele tempo a família que ia dava às vezes 1kg de arroz, uns ovos, mas não davam dinheiro, só recebi 50 contos do meu padrinho, 50 euros quero dizer! Ao meu marido dois rapazes deram-lhe 20 euros cada um e foi o que recebemos no casamento. Os meus pais é que nos valeram muito! Agarramo-nos ao trabalho, trabalhamos muito no duro, mas graças a Deus casaram-se os meus filhos, fizemos-lhes os casamentos, compramos-lhes a roupa e ajudamos naquilo que pudemos.

Quando me casei dizia para o meu João que nunca iríamos ter uma junta de vacas, e ele respondia-me para não me afligir que íamos ter vacas, gado e tudo. E tivemos mesmo, chegamos a ter 5 vacas, um rebanho de gado, porcos, criávamos porcos para vender, matávamos um e vendíamos os outros, vendemos tudo o que tínhamos comprado. Chegamos a granjear 300 alqueires de centeio; só para Sanfins de Paçô chegamos a vender 2000kg para sementes e 3000kg para consumo. Tivemos 12 000kg de batatas, na altura davam mais dinheiro, agora já não dão nada.

Os nossos terrenos toda a gente os conhecia, o meu João não deixava criar uma silva, um tojo, …, mas agora ninguém cuida deles. Quando ele foi vivo sempre cuidou dos terrenos, mas depois deu-lhe este AVC, deu-lhe forte, nunca mais falou, esteve um mês em Viseu, não falou nem se mexeu. Ele era muito trabalhador, para ele não havia trabalho que lhe pusesse medo, era muito bom para mim, tinha sempre uma palavra respeitadora para toda a gente.

Em janeiro do ano passado vim para aqui para o lar, ainda fiquei uns meses em casa da minha filha, mas depois vim para aqui. Eu queria estar na minha casa, quando vim para cá ainda fazia tudo em casa, mas os meus filhos não queriam que eu ficasse sozinha, porque eles estão na França. E agora estou aqui, os meus filhos vem cá ver-me sempre que podem e ligam, e os meus netos também me ligam muitas vezes.”

19 de Abril de 2022