Carminda Ferreira

Carminda Ferreira

“A minha mãe chamava-se Maria Calhau e o meu pai Francisco Nicolau e eles tiveram 6 filhos, 5 raparigas e um rapaz, eu era a mais velha e o meu irmão era chegado a mim, o José, depois era a Marina, a Ermelinda, a Luzia e a Maria. Nós vivíamos em Alvite, nas Vendas, e trabalhamos sempre no campo, tínhamos vacas, íamos sempre com as vacas; fazíamos os molhinhos de lenha para o gado de noite rilhar; o meu pai arranjava-nos um molhinho de sargaços muito viçosos para o gado de noite comer, e passávamos assim.

Eu era a mais velha e a minha mãe também me queria em casa porque eu fazia muito jeito em casa, mas o meu pai também só se habituou comigo, só me queria a mim, e tinha de andar para os dois lados. A minha mãe dizia: “Francisco dás-me cabo da piquena, fazes uns molhos muito grandes, muito pesados, ainda tão novinha, ainda não tem 12 anos e já com uns molhos assim tão pesados!” e ele dizia “Ela tem muita força!”, e ela: “Mas não se pode abusar da força, porque ainda é novinha, ainda é muito tenrinha!”. Às vezes lá ficava em casa para limpar, arremendar, passar a ferro a roupa, mas a minha mãe e o meu pai diziam que quando eu ficava em casa, a casa logo se conhecia, e quando ia com eles também era. O meu pai levava as vacas e os cordeiros, os cordeiros comiam na ferrém, para terem mais leite para se criarem melhor. Passou-se assim uma vida de muito trabalho.

Eu nunca cheguei a ir à escola, era a mais velha, não me obrigavam, eu e a mais nova não fomos, o resto dos meus irmãos têm o exame da 4ª classe. Eu dizia à minha mãe: “Oh mãe porque não me deixas ir à aula? Também vão o nosso irmão e irmãs e porque não vou eu?” e ela respondia: “Mas tu fazes cá muita falta que és a mais velha para te ocupares dos mais novos e para ajudares o teu pai e me ajudares a mim!”. Quando fomos crescendo eu e a minha irmã íamos para o Douro, o meu pai também lá andava a varejar as oliveiras. Eu era muito forçosa, era a mais forte de todas, e não me racharam, pagavam-me como as mulheres. Umas mulheres da nossa terra não queriam que eu ganhasse o preço, mas o feitor dizia que eu mais depressa enchia uma cesta do que eles, que eles arrumavam uma mão e eu trabalhava com as duas. A minha mãe morreu com 56 anos e o meu pai com 69 anos. O meu irmão faleceu com 59 anos, com um AVC e o meu pai também foi de AVC.

Eu tinha 30 anos quando conheci o meu marido, o meu Zefa, meu Manel que tinha 42 anos. Ele tinha 3 filhos: a Modesta, a Benvinda e o João Zefa, e nós não tivemos filhos. No início a minha família não concordou com o nosso casamento, mas depois todos se deram bem, gostavam muito dele e ele deles também. Ainda vivemos muitos anos juntos, ele faleceu com 82 anos, também com um AVC, teve 7 anos e meio acamado e eu cuidei sempre dele. A minha família queria que eu o fosse meter no lar para eu não andar assim, porque estava muito magrinha e fraca, mas eu não quis e não me arrependi.

A minha vida foi um romance toda a vida! Eu gostei da minha vida, nunca nos chateamos eu e os meus irmãos, os meus sobrinhos querem-me muito e eu quero-lhes muito, tanto quero à primeira camada, como quero à segunda e á terceira igual, somos muito unidos. Os meus sobrinhos para mim são os filhos que eu não tive, vêm sempre ver-me e gostam muito de mim, tenho a Eduarda e o José Eduardo que são filhos do meu José, a minha irmã Luzia que está aqui em Alvite tem uma filha, a Ermelinda também tem uma filha, a Marina tem a Elodie e eu não conheço os outros todos porque estão mais pela França do que por aqui.

Eu fiquei viúva em maio e depois em agosto quando a minha família veio, porque eles estavam no estrangeiro, vieram logo com aquela ideia de me inscrever no lar porque não queriam que eu ficasse sozinha, porque eu tinha muitas crises, mesmo de noite. Antigamente havia o centro de dia que era no salão e então fui lá ver se tinha vaga e disseram-me que para o lar ainda não havia vaga que tinha outras pessoas à frente, mas então fui para o centro de dia, levavam-me o comer a casa. Depois abriu o lar aqui, onde é hoje, e eu vim para cá, resolvi vir e entrei e já estou aqui desde que abriu, há 13 anos. Eu gosto muito de estar aqui no lar, custa-me que haja gente que diga mal do lar, que o deite a baixo, porque eu só o sei gabar, porque dizem mal do lar, dizem mal de nós, isto é nosso! É de Alvite! Somos Alvitanos ou não somos?! Quando para cá vim eu e a Tia Benvinda Moça ainda viemos para aqui ajudar a limpar e tudo. Gosto muito disto! Tanto que quando as minhas irmãs ou as minhas sobrinhas me levam, eu vou e lá estou, mas depois já tenho esta saudade, esta vontade de voltar!

03 de Outubro de 2022