Balbina Dias

Balbina Dias

“Éramos 6 irmãos, 4 rapazes e duas raparigas. Nasci, fui batizada e andei na escola em Alvite. Ainda comecei a ir à escola em Sever, porque no nosso tempo Alvite ainda não tinha escola. O meu avô que estava no Brasil dava muito valor a aprendermos a escrever e a ler então foi ele que arranjou maneira de irmos à escola a Sever, porque Sever e Vila Chã do Monte são mais velhos que Alvite, Alvite ainda é muito novo.  O Senhor Padre Manuel que era filho da terra é que ajeitou em haver aqui em Alvite uma escola, mas era só para raparigas, para os rapazes não, e eles diziam – ‘Ah pois é, só arranjam para as raparigas, é para aprenderem a escrever cartas aos namorados!’ Um senhor que tinha uma casa feita e preparada, mas não vivia lá ninguém, é que ofereceu essa casa ao povo para se fazer então lá a escola. Depois lá começaram a dizer que tinha de ser para todos e os rapazes também começaram a ir. Na vinda da escola para casa vínhamos a pé todos à conversa.

Quando era pequenina já queria ser como as mulheres grandes, a minha avó fazia umas carapucinhas e eu pegava nas que ela fazia e já queria fazer igual. Tínhamos um senhor que era o latoeiro lá da terra, compadre dos meus pais, que me fez um regador pequenino e eu ia buscar água à fonte, isto com 6/7 anos, eu também enchia o meu regador com água e punha-o à cabeça como faziam as mulheres que eu via, na Fonte da Neta.

Uma amiga da minha mãe tinha um filho chamado Belarmino e eu comecei a brincar com ele e ele comigo. Passados uns tempos a mãe dele morreu e ele ficou com a avó. Continuávamos sempre a brincar até que chegamos a um ponto que eu ia com as vacas e ele já lá ia ter comigo. Nos primeiros tempos ele chegava lá e começava a mexer no meu serviço, tirava-me a moda do caturno, tirava o novelo da cesta e eu batia lá na pedra e dizia-lhe – ‘Deixa estar isso manso!’ – e ele respondia-me – ‘Eu não os levo para minha casa que eu não sei fazer na meia!’ – e eu dizia – ‘E para que os tiras de onde estão? Deixa-os lá estar!’ – e ele tornava-o lá a pôr, depois fazia outra vez o mesmo, até que pronto lá fomos assim indo, fomos crescendo e lá se fez o casamento. Juntava-se a família toda, as mulheres juntavam-se para fazer o comer, cada uma leva o seu pote e pediam emprestados também, para termos com que fazer o comer para tanta gente. Eu e o meu marido Belarmino casamo-nos, eu com 22 anos e ele com 18. Tivemos seis filhos, o primeiro foi aos 23 anos chamava-se Elias, o meu avô era Elias e eu desde pequenita gostei muito desse nome então pus ao meu filho.  O a seguir foi o Albertino, depois a Maria Irene, o João, e o mais novo o Américo. Trabalhei muito, fome nunca passei, nem na casa dos meus pais nem na minha, mesmo depois de me casar. Casei com um ‘morgado’, não tinha irmão nenhum, tínhamos muitos terrenos, era preciso trabalhar muito, levei muitas vezes os filhos ao colo e era preciso ir levar as vacas e eu com um na barriga e com aquele pequenito ao colo. Tínhamos uma burrinha pequenita, muito mansinha e eu punha-me a cavalo e punha um filho no rabo da burra e outro na frente e lá os levava. E assim se passou a vida! Agora tenho uma manada de netos e já muitos bisnetos, tenho 14 netos e 16 bisnetos.

Vim para o lar quando os meus filhos já estavam todos casados, o meu marido já tinha morrido, tinha 63 anos e eu já estava sozinha e aborrecia-me muito também, apesar dos meus filhos serem muito meus amigos, toda a gente gostava deles e isso dava-me muito prazer, mas eu também me custava andar aos meses ou às semanas, que era como se usava nesse tempo. Eu enquanto fazia de comer e trabalhava ainda andava na minha vida, os meus netos ficavam todos contentes quando os pais saíam e eles iam comer a minha casa, diziam – ‘Ai a sopa da avó sabe muito melhor!’ – e eu dizia-lhes – ‘Estais enganados meus meninos, a sopa da vossa mãe é como a minha, fui eu quem lhe ensinei’ – eles respondiam – ‘Não é! A sopa da avó é em tudo melhor!’.

Eu gosto de estar no lar, uma pessoa já compreende que há dias para tudo, dias melhores e dias piores, tenho muitas vezes visitas aqui e uma pessoa vai andando!”       

21 de Janeiro de 2022