Manuel Pereira
“A minha vida, foi um pouco triste, às vezes comia mais um cibinho de pão e não tinha e eu chorava a minha pouca sorte, mas não era alto, era bem baixinho que eu chorava! Eu nasci em 1943, dia 24 de fevereiro em Alvite, foi lá que morei na zona do Soalheiro. A minha mãe chamava-se Arminda Teixeira Dias e o meu pai Manuel Figueiredo Pereira, eu não o conheci porque ele morreu quando eu era pequeno. Eu levava cinco anos ao meu irmão, chamava-se João Dias Pereira; ele era assim fraquinho não podia trabalhar e então a minha madrinha, irmã da minha mãe, ajudou-o a comprar um acordeão, e ele tocava e bem!
Eu andei 4 anos na escola, fui com 7 anos, mas não acabei a 4ª classe. O meu irmão faleceu já há muitos anos e eu fiquei só com a minha mãe, nós cavávamos com uma enxada e a minha mãe punha as batatas ao rego e eu ia com o rego da frente cobria o de trás, aprendi logo isso de pequeno. Onde eu vivia no Soalheiro em Alvite tinha muitos vizinhos: havia a Maria Prata, que era uma mulher alta e o homem dela também era meu amigo chamava-se Francisco Vilar; havia um que chamavam-no de Justino Dias que tirava a esmola na igreja, ao domingo; mais para baixo havia o Afonso Rodrigues; mais desviado chamavam-no Joaquim Alexandre e o pai dele Francisco Alexandre; a Silvina Teixeira Dias é irmã da minha mãe e ela tem a neta que é a Maria do Carmo, somos primos, o homem dela é o Jorge Prata, ele trabalha nas obras, as pessoas dizem-lhe assim – Oh Jorge pega a chave, quero que me faças uma casa assim e assim – e ele começa de pequenina até meter a chave na casa pronta.
Fui para a tropa para aí com 18 anos e bati lá 37 meses e 11 dias, lá era atirador com uma arma, fazia guardas ao quartel, estávamos lá todos e de quarto em quarto de hora um dizia – Sentinela Alerta – e o colega da frente dizia – Alerta Está – e depois um dizia – Passa a Palavra – e eu passava para o meu colega para a frente e assim corria por todos até ao posto de guarda outra vez. Eu como lhe dizia chorei muitas vezes porque comia mais alguma coisinha, mas lá no quartel eu dava-me bem com os cozinheiros e depois eu dizia – Oh fulano se tiveres por aí qualquer coisa para comer que eu estou cheio de fome – e eles diziam-me – Anda cá, esconde-te para aqui para não te verem, eu já te vou ajeitar alguma coisa – e iam-me logo ajeitar alguma coisa para comer. Quando saí da tropa voltei para casa e vivi com a minha mãe mais uns tempos, mas depois ela morreu atropelada por um carro de vacas.
Penso muitas vezes como era e como estou agora, aconteceu-me esta desgraça, fiquei assim ceguinho, tive um acidente, atropelaram-me e deixaram-me lá, passado um tempo quando me socorreram já estava cego; fiquei muito tempo no hospital em Lisboa e depois quem me foi buscar foi o meu primo João Ferreiro e fiquei na casa dele e da mulher Arminda; vivi lá muitos anos e comecei a ir para o centro de dia daqui de Alvite, vinham buscar-me a casa e ficava lá durante o dia e vinha à noite; mais tarde parti a anca e tive de vir para o lar porque já não conseguiam cuidar de mim.
Quando vivia lá no Soalheiro eu ia até ao fundo da minha rua e as pessoas que fossem boas levavam-me até à missa e eu ficava todo contente, mas havia umas que passavam lá e faziam de conta que não me viam, porque eu ouvia-as e nem boa tarde nem bom dia me diziam; na altura o padre era o Senhor Adérito dos Santos Carvalho. Agora estou aqui no lar, toda a gente é minha amiga, falo com a tia Balbina que me conta muitas histórias, tenho a minha amiga Lurdinhas, todos me fazem bem e eu também sou amigo de toda a gente.”
07 de Junho de 2024