Maria Ribeiro

Maria Ribeiro

“Os meus pais chamavam-se Manuel Ribeiro e Palmira Ribeiro e os meus irmãos são a Arminda, o Manuel e o Joaquim, eu sou a mais velha. Quando eu era pequena ia a pé para a escola desde Espinheiro, onde eu morava, até Alvite. O meu pai estava no Brasil a trabalhar em serralharia e eu é que ajudava a minha mãe e antes de ir para a escola ainda ia sachar para o campo, eu tinha 7 ou 8 anos. Eu andei na escola até à 3ªclasse mas não fiz o exame porque nesse dia faltei à escola, tinha uma roupita a fazer em Vila Chã do Monte e fui lá para a trazer e como ia sempre a pé não cheguei a tempo e a professora também não era boa que não me deixou fazê-lo depois, então saí da escola e fiquei só com a 3ª classe.

Comecei a andar com um rebanhito de gado pelo monte, ele comia por lá e eu andava por lá com ele; um dia fiquei lá entretida com outra senhora que a chamam Aldina do Viduinho que ela estava a fiar umas coisas de lã e eu pus-me entretida ao pé dela a ver o que ela fazia e depois o gado andava lá por volta dos penedos, mas como me demorei com ela o meu gado fugiu para os lameiros da Tapada Podre e não encontrei duas cabras que fugiram; o gado não era nosso, era de umas pessoas do Douro e a minha mãe trazia-as de guarda, quando eu fui para casa a minha mãe não disse nada ,pois eu era pequenina tinha para aí 11 anos, mas depois o meu pai, que já cá estava, foi procurá-las e encontrou-as mortas; ele agarrou nas cabras e foi mostrá-las ao dono e eles deitaram logo aquilo para tribunal, ele passou a noite na guarda, dormiu lá, e quando veio de lá nós fomos logo contentes abraçá-lo porque apesar das cabras terem morrido elas não eram nossas, nós estávamos era preocupados com o meu pai.

A comida era sempre dividida e só comíamos um bocadinho de pão quando a minha mãe nos dava; uma vez eu fui com ela lavar roupa e a água estava muito fria e ela lá me deu um bocado de pão e o meu irmão mais novo era muito bicho, dizia – “Minha mãe dê-me um bocado de pão!”; “Oh filho não tenho cá.”; “Mas a Maria está a comê-lo!”, ele descobria tudo!

Conheci o meu Manuel porque ele andava na escola à canda a mim, íamos e vínhamos todos a pé, e ele lá dizia que ia namorar a Maria (por mim), mas eu não me interessei logo de início. Ele era da Quinta dos Caetanos, mas como queria vir com as raparigas ele torcia o caminho e vinha connosco, o pai berrava com ele porque demorava muito tempo a chegar a casa, porque ele primeiro ia ao Porta da Nave e depois é que ia para casa. Tinha para aí eu 17 anos e ele namorava uma rapariga em S. Martinho, mas ele não gostava dela e queria namorar comigo, nisto ela deu-lhe um anel e ele trazia-o e metia-mo a mim, mas só podia ser às temporadas para ela não perceber; as minhas amigas já diziam – “Lá vem o do anel!”. Já era para nos casarmos e ele ainda andava lá com o anel, mas depois lá lho levou e ficou para ela.

Aos meus 18 anos casamo-nos, ele tinha 20, a boda foi uma alegria, durou 3 dias, os meus pais gostavam muito dele e os dele gostavam muito de mim e ajudaram em tudo. Na altura havia aqui um tocador chamavam-no Mário Gomes, ele era muito bom e foi tocar para o nosso casamento, andou lá 3 dias a tocar e nós 3 dias a dançar! Compramos um carneiro muito grande, mas não chegou para a boda toda, tivemos de comprar mais. A lua de mel foi na Póvoa, o meu Manuel pediu a burra emprestada ao meu pai e eu lá fui a cavalo na burrinha; tínhamos lá um tio dele que tinha vindo do Brasil e fomos a casa desse homem e ficamos lá com eles, mas levamos ainda coisas da boda e entregamos tudo ao tio dele e à mulher, Albertina, eles ficaram muito contentes e ela ainda me deu uma toalha que vinha do Brasil toda rendada, muito bonita.

Aos 19 tivemos logo a minha filha Glória, passados 4 anos tivemos a Fernanda, porque neste tempo o meu Manuel tinha ido para a guerra para a Angola e nós só falávamos por carta a cada 8 dias. Custou muito, quando nos casamos não pensava que ia ficar assim tanto tempo longe dele, tinha muitas saudades. Quando ele voltou fomos para a França trabalhar 7 meses, eu trabalhei numa fábrica de calçado. Lá alcancei a minha Palmira e quando estive grávida dela passei muito mal, fiquei muito maldisposta e tive de ficar sempre em casa porque não conseguia trabalhar. Tinha ela 2 anos alcancei o meu Carlos Manuel e depois o meu mais novo o Paulo Alexandre, este já o tive no hospital, em Lamego, mas diziam que tinha o sangue estragado por causa dos medicamentos que eu tomei e ele teve de ir para o Porto, mas depois ficou bom.

Os meus filhos foram uns de cada vez, mas acabaram por ir todos para a França e é lá que governam a vida. O Carlos Manuel faleceu para aí com 40 anos, os outros ainda estão todos vivos. O meu marido também acabou por ir para a França e depois para a Alemanha, mas teve 3 meses de vacances e foi quando aconteceu que andavam numa estrada aqui a compor e ele estava a puxar uma pedra e caiu-lhe em cima de uma perna e partiu-a e depois já não foi mais para a Alemanha trabalhar porque já não podia. Eu, desde mais cedo que sofro com os Diabetes e uma vez fiquei um mês no hospital e como estava muito doente vim para aqui para o lar, foi em 2010, e quando vim do hospital o meu marido também já cá estava. Desde aí que aqui estamos e, entretanto, fomos tendo mais problemas, o meu Manuel ficou surdo e com muitos problemas de cabeça, é seguido no Porto, eu vou fazer hemodiálise 3 vezes por semana à Régua, mas cá estamos, gostamos de estar aqui, temos visitas sempre que os meus filhos vêm a Portugal.

Eu sou vaidosa, sempre gostei de me preparar mas antes não pintava as unhas, trabalhava no campo, mas agora gosto e pintam-mas aqui, escolho as minhas blusas e gosto de andar arranjada. Eu e o meu Manuel sempre gostamos muito um do outro, voltamos a casar-nos já depois de estar aqui no lar, fomos à igreja, o primeiro casamento foi no dia de S. Martinho então o segundo também foi, foi para aí em 2013, foi muito bonito; o meu filho Carlos tinha um acordeão e tocou na festa e toda a gente gostou. O que me deixa triste agora é que o meu Manuel não me compreende porque não ouve e eu não tenho como lhe explicar e às vezes lá peço às mulheres daqui para lhe escreverem algumas coisas para ele perceber, mas de resto tudo corre e estamos bem, mesmo com tantos problemas que temos.”